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Tomaz flagrou 3 lágrimas perto do mouse. Apressou-se a enxugá-las da mesa e ela pensou que era exatamente esse o problema. As lágrimas umedecendo a mesa, emudecendo Angélica, e aquele cara fazendo merda.
Nem desconfiavam que ambos sentiam-se sigilosamente miseráveis pelos mesmos motivos. Além disso, o sábado seria ainda longo, entediante, trabalhoso e não-remunerado. Angélica olhou lá fora e achou muito irônico que as janelas da agência tivessem grades. Tomaz leu novamente seu roteiro sobre "o probiótico que te faz aproveitar melhor os pequenos prazeres da vida". Invocou a sensação de aproveitar os prazeres da vida, certamente de alguma vida que não era a sua. E então as grades na janela começaram a fazer todo o sentido. Era o mundo lá fora se protegendo de gente que vende pequenos prazeres da vida. Em potes de iogurte que custam 75 centavos.
Tentando criar um ambiente menos nocivo, ele decidiu ligar o iTunes, desplugar os fones e compartilhar com ela um pouco de Elliot Smith. Ela decidiu fazer um café para mantê-los animados pra exaustiva tempestade de ideias que viria a seguir. Só havia os dois na agência e como já não era mais hora do almoço, mas hora de almoçar, acharam que podiam pedir pizza, sorvete e cervejas.
Na sala de reunião, fizeram uma exibição privada de "Peixe Grande", "O Fabuloso Destino" e "Viagem a Darjeeling" para colher referências. Terminaram o serviço, removeram as latas de cerveja como se removem corpos da cena de um crime e foram pra casa, descansar para o domingo sem descanso. Alcançaram suas casas e acomodaram, sincronizados, suas cabeças em seus respectivos travesseiros. Suspiraram tão profundamente quanto permitiam seus pulmões, lamentando por mais um fim de semana desperdiçado. Imaginaram o sábado que adorariam ter vivido com alguém com quem pudessem ouvir música, ver um bom filme. Alguém pra escolher o sabor da outra metade da pizza ou pra testar a mistura de cerveja e sorvete. Num sono perturbado, Tomaz despertou estapeando a própria testa. Era um sinal punitivo do próprio organismo, reprovando-o por ter secado a mesa e não o rosto dela. Como eu havia dito, eles nem desconfiavam.
- É impressão minha ou tá rolando uma tensão sexual entre a gente?
- Acho que não é impressão não.
- Hummm... o que a gente faz?
- É, a solução seria dissipar isso, né...
- É, acho que é o mais sensato... rolar alguma coisa entre a gente pode prejudicar um pouco os nosso projetos... a gente já tem duas novas propostas...
- É, eu sei. Essa coisa de misturar trabalho e relacionamento...
- É, definitivamente...
- Não, não pode.
- É, não pode.
Silêncio.
- Mas também vai ficar difícil trabalhar assim, de qualquer jeito... a gente tá criando eletricidade aqui.
- Sem dúvida.
- Tem que ter uma solução, eu não quero deixar de trabalhar com você. A gente tem sintonia de trabalho.
- E criar com você é um sonho, sempre admirei suas idéias.
- Eu sinto a mesma coisa...
- Já sei, eu tenho a solução. Muito boa por sinal.
- Manda.
- A gente deve se beijar.
- Deve?
- Mas tem que haver um esforço pra ser o pior beijo possível. Você pode fazer isso?
- Bem, eu posso tentar.
- Vai funcionar, acredite. A gente encerra tudo com uma experiência ruim e pronto, acabou a tensão. Ninguém mais gasta energia pensando em sexo, o que você acha?
- Bem, na falta de melhor idéia...
- Bem, prepare-se...
- Claro.
- Lá vai.
Beijo.
- E aí?
- Nossa, você se esforçou mesmo, acho que funcionou.
- Quê?
- Não pensei que você fosse mesmo levar a sério, eu só queria te beijar, de verdade.
- Mas eu...
- Tudo bem, tudo resolvido agora. Qual a próxima pauta?
Que saudades dos tempos em que as declarações de amor ainda eram feitas por vídeo mensagens holográficas. Hoje tudo o que resta são esses impulsos eletromagnéticos convertidos em meta-sensações. É duro aceitar que não há mais romantismo como antigamente.
Criei um documento entitulado "Pedro diz". Trata-se exatamente disso. Pedro diz coisas lindas que merecem ser registradas e é criminosamente modesto demais para publicá-las no blog. À medida que a lista vai crescendo, eu imagino que se transforma num daqueles livrinhos de sabedoria. Desses que geralmente ficam no balcão de algum restaurante indiano. Enquanto você paga a conta, a simpática senhora no caixa a convence a abrir uma página. Você fica sem graça com a situação porque está sendo coagida a reanimar o fio de esperança necessário para investir nesse minuto, nesse bom presságio. Ela sorri, elucidativa, enquanto empurra o livrinho pra você, como se você não tivesse escolha já que a máquina do VISA ainda está ocupada. Você torce pra que não saiam frases do tipo "plante mais árvores". Há dias tão cinzas que tudo que você espera é que um livro desses te surpreenda com um "derrube duas árvores".
Ainda não há uma edição impressa de "Pedro diz". Na realidade, o documento não tem mais do que uma página. O documento também existe porque Pedro não está diuturnamente online. Então eu uso a mão do lado intuitivo para escolher uma frase. Fecho os olhos e a ponta do meu dedo direito pressiona alguns pixels na tela iluminada do Word. Abro os olhos e está lá. Uma frase mágica e a marca da minha digital engordurada no monitor.
"Tenho tantas saudades desse seu disco riscado", Pedro diz. E ainda assim, tão descontextualizado, faz minha alma iluminar-se.
A todos que pediram, aqui vai: um post novinho em folha.
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