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Ela apareceu de salto alto, deixando bem claro que estava se vingando de algo que eu fiz. Deve ter sido por eu ter tirado a barba. Ela sabe muito bem o quanto me deixa mal parecer tão mais alta que eu. Sempre fui pequeno.... desde muito, pequeno. Segundo ela, foi justamente o que a fez se sentir atraída por mim. "Dá muito torcicolo beijar homem alto. Prefiro pequenininhos assim, como você". Em geral, eu me sentiria profundamente insultado pelo "pequenininho", mas como contrariar uma mulher bonita? Quando descobrir, ensine-me como.
De salto ela é três vezes mais nociva. "I'm over heels", ela gosta de dizer. Eu a corrijo "se diz head over heels". Ela ignora. A expressão e o erro que não se restringe só ao idioma.
Quando ela pergunta "Então vamos. Você não vai se trocar?" e eu digo encabulado "já estou trocado", eu procuro, sem muito entusiasmo, alguma câmera escondida. Mas ela insiste na sua maldade peculiar "ah, não tá não". E tudo o que eu posso fazer é obedecê-la. Não tenho escolha. Ela está de salto.
Me beijou e o sonho foi apagado em instantes. "O que eu te disse sobre essa língua? Menos língua, honey. Vamo deixar esse beijo menos agressivo, sim?" e conclui a lição introduzindo uma balinha de menta entre meus lábios semi-cerrados. "Tirar esse bafinho também, né?".
A danada não consegue ver um filme inteiro comigo. Dorme nos primeiros vinte minutos. Mas dorme nos meus braços. Vez ou outra abre o olho, diz coisas desconexas, exige um cafuné e volta a dormir. Mas não ronca. Mulheres de salto nunca roncam, aparentemente. Eu achava que era porque ela detestava clássicos. Mas ela diz que se é pra dormir num filme, que seja num clássico. É bom despertar com o rosto de uma diva na tela. Adormecer novamente e sonhar que é aquela diva em preto e branco.
Daí, como uma criança, ela desperta num susto, olha pra mim em silêncio e acredito que ela está reparando mais uma vez na ausência da minha barba. Me preparo para mais um instante de dolorosa franqueza e ela diz "Eu te amo tanto. Eu passaria minha vida inteira aqui." E adormece novamente, no meio de um beijo e um sorriso meu. E então, finalmente, como vale a pena suportar toda a honestidade que cabe nessa mulher!
Eu sei que esse não era o acordo, mas o que é a amizade a dois centímetros de um beijo?
Criei um documento entitulado "Pedro diz". Trata-se exatamente disso. Pedro diz coisas lindas que merecem ser registradas e é criminosamente modesto demais para publicá-las no blog. À medida que a lista vai crescendo, eu imagino que se transforma num daqueles livrinhos de sabedoria. Desses que geralmente ficam no balcão de algum restaurante indiano. Enquanto você paga a conta, a simpática senhora no caixa a convence a abrir uma página. Você fica sem graça com a situação porque está sendo coagida a reanimar o fio de esperança necessário para investir nesse minuto, nesse bom presságio. Ela sorri, elucidativa, enquanto empurra o livrinho pra você, como se você não tivesse escolha já que a máquina do VISA ainda está ocupada. Você torce pra que não saiam frases do tipo "plante mais árvores". Há dias tão cinzas que tudo que você espera é que um livro desses te surpreenda com um "derrube duas árvores".
Ainda não há uma edição impressa de "Pedro diz". Na realidade, o documento não tem mais do que uma página. O documento também existe porque Pedro não está diuturnamente online. Então eu uso a mão do lado intuitivo para escolher uma frase. Fecho os olhos e a ponta do meu dedo direito pressiona alguns pixels na tela iluminada do Word. Abro os olhos e está lá. Uma frase mágica e a marca da minha digital engordurada no monitor.
"Tenho tantas saudades desse seu disco riscado", Pedro diz. E ainda assim, tão descontextualizado, faz minha alma iluminar-se.
A todos que pediram, aqui vai: um post novinho em folha.
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