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- Maitê? Você tá aí?
(Uma voz abafada prova que há vida além da parede imunda)
- Jonas? Jonas! Eu já tava preocupada! Quase mandei o seu Elias arrebentar sua porta! Tava ouvindo música no fone de novo? Dormiu na banheira? Teve um ataque epilético?
- Não, não, nada disso. Banheira? Porra, tem banheira no teu apê? E a gente paga o mesmo condomínio?
- Jura que você não me ouviu te chamar?
- Eu não tava em casa. Acabei de chegar.
- Você saiu? Saiu de casa?
- Saí. Acabei de chegar.
- Mentira!
- Verdade.
- Mentira!
- Verdade mesmo. Posso te contar como foi...
- Mentira!
- ... ou podemos ficar a noite inteira nisso, você escolhe.
(Cara, ela ri a valer. E eu só uso "a valer" com sotaque do interior)
- Desculpa... é que já faz tanto tempo, né? Me assustei quando você não respondeu. Já me acostumei a ter você por perto. É como se tivesse sempre um homem em casa. Sem o incoveniente da tampa do banheiro levantada ou a toalha molhada em cima da cama.
- Ah, quer dizer que é só pra isso que eu sirvo? Utopia do homem perfeito?
(Agora os dois resolveram rir, mas por motivos diferentes. Ela até que achou ele meio esperto, e ele só riu de nervoso. Porque apesar de ter se sentido um pouco esperto por ter dito isso, depois se sentiu um completo idiota. Lembrou dos metidos que acham bonito usar a palavra "utopia" mas que sem a ajuda do Wikipedia jamais saberiam quem é Thomas More)
- Me conta das suas aventuras de hoje.
- Ah, eu preferi não me arriscar muito. Um passo de cada vez. Trinta e dois, pra ser mais preciso. Fui até essa casa de bailes da esquina.
- Você esteve lá? Jura mesmo? Eu também tava lá! Cheguei há uns vinte minutos.
(Silêncio. Mais longo pra ele que pra ela. A tal da teoria da relatividade explica isso. Vai lá ver no Wikipedia)
- Como você tava vestido?
(Ele olha pras próprias roupas. Está com um conjunto verde musgo que nunca viu um ferro na vida)
- Uma camisa amarela e calça bege.
(Mal gosto do cão)
- E você?
(A danada tá vestida de azul. Mas também vai dizer outra coisa)
- Um vestido vermelho.
(Ficam ali, quietinhos de novo, ensaiando mais coisas pra dizer)
- Talvez você tenha me tirado pra dançar.
- Como?
- Hoje no baile. Talvez a gente tenha dançado junto e não saiba.
- Eu não sei dançar, nunca tive jeito. Mas gosto de ver as pessoas dançando. As pessoas ficam juntas mesmo. Acontece alguma coisa lá dentro, no salão. Porque são pessoas tão estranhas quanto aquelas que a gente tenta evitar contato na rua. Que a gente se esforça pra não esbarrar na correria. Mas lá os estranhos se olham nos olhos. Se convidam pra um bolero. Ficam com o corpo colado a música inteira. O mais bonito é quando os rostos se encostam.
(Ela dormiu. Dormiu, toda torta em cima da mesa. Devia ser um porre daqueles. Amanhã ela vai acordar sem lembrar do que o Jonas disse e com uma ressaca dos infernos)
- Faz três meses que eu só tenho contato com os meus livros. É engraçado que o meu primeiro contato com pessoas depois desse tempo todo tenha sido assim. Agora eu voltei pra casa e algo me incomodou muito. Essas coisas todas... meus livros... meus cds... meu copo de leite, pela metade, tudo, tudo. Tudo exatamente onde eu deixei.
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