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Um dia eu sei que os meus esforços em fazer a gente pegar um elevador juntos vão valer a pena. E aí eu vou puxar assunto, dizendo que seria incrível se o teletransporte fosse possível e assim que a porta do elevador abrisse, eu já estivesse na minha casa. Aí você, curioso, vai perguntar onde eu moro e, penalizado pela distância, manifestando cavalheirismo e ocultando segundas intenções, vai me oferecer uma carona. Eu vou mentir ao dizer que não estou de carro e portanto aceitarei, exibindo falsa timidez diante da oferta. No dia seguinte, pagarei uma fortuna no estacionamento onde abandonei meu carro e fingirei não compreender o ressentimento do manobrista desavisado que esticara em 12 minutos o expediente por minha culpa.
Essa será sua primeira chance de perguntar o meu nome. Friamente dissimulada, finjirei não saber o seu e devolverei a pergunta. No fim da noite, escreverei num guardanapo o meu telefone com a mensagem “se você tiver um tempo livre, gaste comigo”. Você vai perguntar o porquê das aspas, e eu explicarei que é um trecho de uma música que não é da minha autoria. Você vai suspirar, dizendo estar aliviado por eu saber empregar aspas, ao invés de usá-las deliberadamente, como na famosa placa: Jesus “loves” you. Eu vou rir, você vai rir, a gente vai lembrar das nossas web celebrities favoritas, eu vou descobrir seu talento em imitar “Vanessão” e “Jeremias”.
Em poucos dias, decidiremos fazer uma viagem juntos. Eu escolherei uma linda casa aconchegante numa cidade miseravelmente feia, em que a previsão do tempo seja de muita, muita chuva. Por um fim de semana inteiro teremos apenas um ao outro para distrair com muita obscenidade e comida calórica.
Você vai falar mal da Tina Fey e eu vou ficar horrorizada. Serão os dois minutos mais tensos de todo o tempo que passamos juntos e eu falarei mal de House em retaliação. Você vai rir do meu espírito vingativo e me achar super charmosinha fazendo bico. Vai me chamar à atenção sempre que eu entortar os lábios, esse hábito involuntário de quando estou preocupada. Vai exibir provas fotográficas do quanto eu fico feia quando mordo os lábios assim. Vai ameaçar montar uma exposição com todas as minhas expressões distorcidas. Eu vou ficar furiosa, apesar de perceber qualidade na obra que você reuniu ali.
Você vai morrer de ciúmes do mais másculo dos meus amigos gays e eu vou tentar dissuadi-lo contando a história de quando o tal amigo me pediu em casamento só para herdar minhas roupas. Em seguida, terei um dos meus chiliques. Você vai ficar assustado com meu temperamento, vai ameaçar me deixar, e no fim da nossa cena mexicana, vai confessar que nunca gostaria de uma garota que não fosse tão tempestuosa quanto eu. Eu direi que sempre soube que homem gosta de mulheres equilibradas, mas não se apaixona por nenhuma delas.
É assim que vai ser e já tá decidido. Tudo o que você tem que fazer agora é dizer “oi”.
“Lá vem o menino triste” - disse ela, indecisa entre anunciar e suspirar, por fim fazendo as duas coisas ao mesmo tempo. Menino ela sabe que ele não é. Chamar jovens adultos de menino é só um hábito herdado, e portanto, mais velho que o próprio rapaz. O que ela não sabe é que triste ele também não é. Ele tem uma vida agitada, cheia de tudo que um jovem de 32 anos pode ter. Futebol, pegação, sinusite e lista de torrents. Mas triste ele fica, eventualmente; e sempre que acontece, é aquele café que ele gosta de frequentar.
Ele chega em passos mansos. Faz o pedido baixinho, quase inaudível. Lê cuidadosamente o cardápio inteirinho pra pedir o café de sempre. Como se antes de pedir o espresso carioca, buscasse nas entrelinhas a solução pras suas dores. Triste de se venerar.
O que ele não sabe, por conta de tamanho abatimento, é que diversas vezes ela já serviu o café errado. Não por descuido, muito pelo contrário. Se um dia o esmero em preparar um café para o menino triste fosse igualmente dedicado à coisas mais importantes, ela já teria erradicado comerciais de pasta de dentes ou eleito Tina Fey para presidenta. Sempre que possível, ela troca propositalmente o seu pedido por um Doppio espresso. Certa vez lera que a cafeína é um inibidor da depressão e esse é o seu pequeno gesto pelo menino triste.
Homens tristes sempre a comovem. Um ato heróico, filosofa, ser um homem triste. Lágrimas, frustração e chilique soam como obra maligna da progesterona, e no entanto, a despeito disso tudo, ele está ali desfilando mágoas, introspecção e uma linda bunda no café da esquina.
A cada visita, ela divaga secretamente sobre as inquietações que podem perturbar um rapaz de 30 e poucos anos. Solidão. Coração partido. Vazio existencial. Calvície. Ela o observa pagar o café e se afastar, carregando com dificuldade o próprio corpo sobre as pernas fatigadas. Sonha com o dia em que ele vai pedir dois cafés e companhia. Em que vai elegê-la como confidente e revelar suas penas. Ele atravessa a rua, ainda lamentando a contratação de Ronaldinho Gaúcho pelo Flamengo. Sente a gastrite queimar e desabafa para si mesmo “café forte da porra!”
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