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Era um beijo planejado. Tinha até hora marcada pra acontecer. Todos os sábados e domingos, às 20h. No começo era constrangedor. Com a repetição de ensaios, passou a ser corriqueiro aos olhos menos atentos. Difícil mesmo era fingir que fingiam um beijo. Estariam absolutamente protegidos sob todos os subterfúgios cênicos: estariam imersos nas personagens, estariam emprestando o corpo para uma verdade, estariam se empenhando em nome da catarse do público. Até que um dia, ela percebeu que foi longe demais. Até que um dia, ele percebeu que foi longe demais. Ao fim do ato, sobrava uma naturalidade encenada e uma incógnita nos lábios. No fundo, eles bem sabiam e resistiam reconhecer: aquele beijo era mesmo real.
Se apaixonar pela segunda vez por alguém talvez seja mais raro que amar alguém por toda uma vida, e por isso mesmo, mais fantástico. Quando você olha os mesmos olhos e sente o mesmo cheiro e ri das mesmas coisas de antes e ainda assim, descobre uma nova magia em tudo isso, você se sente mais premiado que da primeira vez.
Apaixonar-se pela primeira vez por alguém é quase um engano. Você está anestesiada por coisas que sempre encantam na primeira conversa, no primeiro café compartilhado, no primeiro beijo. Quando você se apaixona de novo por essa mesma pessoa, tudo é mais honesto. A pessoa deixa de ser um mito e se torna um ser humano com falhas, cáries e bafo matinal.
Quando você se apaixona pela segunda vez pela mesma pessoa, você olha com carinho pra sua celulite. Aceita que nunca vai ter o nariz que desejava. Acorda e se observa, achando graça das próprias olheiras, da bagunça insondável que se tornou o seu cabelo, e também passa a achar isso tudo muito bonito e verdadeiro. É um refil de esperanças, já que todo sentimento é frágil e pode morrer de um dia pro outro, inexplicavelmente.
Mas o encantamento renovado por uma mesma pessoa te faz acreditar que as coisas podem mesmo durar, que a vida pode ser boa e que pelo menos em um momento dela, é muito possível mandar um enorme foda-se para a psicologia evolucionista, Charles Darwin e todos os pesquisadores infelizes de institutos britânicos.
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