Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
- Não era pra você me ver assim!
- Claro que era, vim cuidar de você, fazer um chazinho...
- Só mãe pode tá perto de alguém deformado pela gripe... nenhum outro amor resiste às olheiras, coriza, catarro... ai, me passa um lenço, por favor?
- Aí que você se engana. E pra te provar...
- Não!
- Como “não?” Ó, funciona assim: eu abro a caixinha e você diz “sim”. Quer tentar de novo?
- Não é isso, é que eu sempre imaginei que nesse momento eu estaria fabulosa num restaurante francês, reclamando do vinho e pedindo sobremesa extra, não prostrada numa cama com o nariz escorrendo! Passa o lenço, vai, amor...
- Esse é o momento perfeito. Fica valendo todo aquele negócio de estar presente na saúde e na doença. Amor, você tá com um olho maior que o outro, seu bafo não tá dos melhores e ainda assim, quero casar com você.
- Meu Deus! Não sei se é a febre, mas assim você me faz chorar.
- Isso é um sim?
- Você tem alguma dúvida?
- Na verdade tenho... onde eu boto essa aliança? Mão direita ou esquerda?
- Esquerda, né? Lado do coração?
- Coração não fica à esquerda. Na verdade fica bem ao centro.
- Nunca soube disso.
- Sério. Dá um Google.
- Puxa o note aí. Aproveita e pesquisa em que mão se bota aliança de noivado. Ai, caralho, a gente tá noivando?
- É assim que funciona. Assim que eu descobrir que mão que é, num tem mais volta.
- A gente não pode dar outro nome pra isso? “Noivar” é muito brega. “Meu n-o-i-v-o”. Meio esquisito. Você quer ser chamado de noivo?
- Acho que não. Prefiro “patrão”.
- E se a gente “sibilar”?
- Sibilar?
- É, a palavra que eu inventei pra substituir “noivar”.
- Querida, acho que essa palavra já existe...
- Não, eu acabei de inventar.
- Não inventou não, acho que signifi...
- …aah, vai! Vamos sibilar, por favor! Somos agora sibilantes!
- Ok. Sibilemos. E com a benção do Google, mão direita, por favor.
- Não é a esquerda?
- Ainda não. Enquanto sibilantes, aliança na mão direita.
- Num dá pra pôr na esquerda só por hoje? Você demorou com o lenço, eu acabei usando a mão direita, e agor...
- Tudo bem. Mão esquerda. Isso quer dizer que a gente pulou o “síbilo” e casamos direto.
- Que outro verbo podemos usar no lugar de “casar”, hein?
Ela: Sabe, quando a gente ficou pela primeira vez, eu torci muito pra você gostar de mim.
Ele: Olha, se esse era o último pedido que você tinha direito de fazer, eu vou ter muita raiva por você ter pedido algo tão fácil e ter deixado de pedir pra ser rica.
* Pra quem não viu: http://www.youtube.com/watch?v=P_eU274EYC4&feature=related
e http://www.youtube.com/watch?v=-WVtZL5O_jQ
- Acho que vou te dar um beijo que vai durar por 8 andares.
Um dia eu sei que os meus esforços em fazer a gente pegar um elevador juntos vão valer a pena. E aí eu vou puxar assunto, dizendo que seria incrível se o teletransporte fosse possível e assim que a porta do elevador abrisse, eu já estivesse na minha casa. Aí você, curioso, vai perguntar onde eu moro e, penalizado pela distância, manifestando cavalheirismo e ocultando segundas intenções, vai me oferecer uma carona. Eu vou mentir ao dizer que não estou de carro e portanto aceitarei, exibindo falsa timidez diante da oferta. No dia seguinte, pagarei uma fortuna no estacionamento onde abandonei meu carro e fingirei não compreender o ressentimento do manobrista desavisado que esticara em 12 minutos o expediente por minha culpa.
Essa será sua primeira chance de perguntar o meu nome. Friamente dissimulada, finjirei não saber o seu e devolverei a pergunta. No fim da noite, escreverei num guardanapo o meu telefone com a mensagem “se você tiver um tempo livre, gaste comigo”. Você vai perguntar o porquê das aspas, e eu explicarei que é um trecho de uma música que não é da minha autoria. Você vai suspirar, dizendo estar aliviado por eu saber empregar aspas, ao invés de usá-las deliberadamente, como na famosa placa: Jesus “loves” you. Eu vou rir, você vai rir, a gente vai lembrar das nossas web celebrities favoritas, eu vou descobrir seu talento em imitar “Vanessão” e “Jeremias”.
Em poucos dias, decidiremos fazer uma viagem juntos. Eu escolherei uma linda casa aconchegante numa cidade miseravelmente feia, em que a previsão do tempo seja de muita, muita chuva. Por um fim de semana inteiro teremos apenas um ao outro para distrair com muita obscenidade e comida calórica.
Você vai falar mal da Tina Fey e eu vou ficar horrorizada. Serão os dois minutos mais tensos de todo o tempo que passamos juntos e eu falarei mal de House em retaliação. Você vai rir do meu espírito vingativo e me achar super charmosinha fazendo bico. Vai me chamar à atenção sempre que eu entortar os lábios, esse hábito involuntário de quando estou preocupada. Vai exibir provas fotográficas do quanto eu fico feia quando mordo os lábios assim. Vai ameaçar montar uma exposição com todas as minhas expressões distorcidas. Eu vou ficar furiosa, apesar de perceber qualidade na obra que você reuniu ali.
Você vai morrer de ciúmes do mais másculo dos meus amigos gays e eu vou tentar dissuadi-lo contando a história de quando o tal amigo me pediu em casamento só para herdar minhas roupas. Em seguida, terei um dos meus chiliques. Você vai ficar assustado com meu temperamento, vai ameaçar me deixar, e no fim da nossa cena mexicana, vai confessar que nunca gostaria de uma garota que não fosse tão tempestuosa quanto eu. Eu direi que sempre soube que homem gosta de mulheres equilibradas, mas não se apaixona por nenhuma delas.
É assim que vai ser e já tá decidido. Tudo o que você tem que fazer agora é dizer “oi”.
“Lá vem o menino triste” - disse ela, indecisa entre anunciar e suspirar, por fim fazendo as duas coisas ao mesmo tempo. Menino ela sabe que ele não é. Chamar jovens adultos de menino é só um hábito herdado, e portanto, mais velho que o próprio rapaz. O que ela não sabe é que triste ele também não é. Ele tem uma vida agitada, cheia de tudo que um jovem de 32 anos pode ter. Futebol, pegação, sinusite e lista de torrents. Mas triste ele fica, eventualmente; e sempre que acontece, é aquele café que ele gosta de frequentar.
Ele chega em passos mansos. Faz o pedido baixinho, quase inaudível. Lê cuidadosamente o cardápio inteirinho pra pedir o café de sempre. Como se antes de pedir o espresso carioca, buscasse nas entrelinhas a solução pras suas dores. Triste de se venerar.
O que ele não sabe, por conta de tamanho abatimento, é que diversas vezes ela já serviu o café errado. Não por descuido, muito pelo contrário. Se um dia o esmero em preparar um café para o menino triste fosse igualmente dedicado à coisas mais importantes, ela já teria erradicado comerciais de pasta de dentes ou eleito Tina Fey para presidenta. Sempre que possível, ela troca propositalmente o seu pedido por um Doppio espresso. Certa vez lera que a cafeína é um inibidor da depressão e esse é o seu pequeno gesto pelo menino triste.
Homens tristes sempre a comovem. Um ato heróico, filosofa, ser um homem triste. Lágrimas, frustração e chilique soam como obra maligna da progesterona, e no entanto, a despeito disso tudo, ele está ali desfilando mágoas, introspecção e uma linda bunda no café da esquina.
A cada visita, ela divaga secretamente sobre as inquietações que podem perturbar um rapaz de 30 e poucos anos. Solidão. Coração partido. Vazio existencial. Calvície. Ela o observa pagar o café e se afastar, carregando com dificuldade o próprio corpo sobre as pernas fatigadas. Sonha com o dia em que ele vai pedir dois cafés e companhia. Em que vai elegê-la como confidente e revelar suas penas. Ele atravessa a rua, ainda lamentando a contratação de Ronaldinho Gaúcho pelo Flamengo. Sente a gastrite queimar e desabafa para si mesmo “café forte da porra!”
- Eu não entendo porque a gente não pode continuar junto e sair também com outras pessoas. Vai, não me olha assim. Não tem porque. Eu não me importo que você fique com outros caras... Eu... eu não achei mesmo que você se importasse... Você sabe que não funciona, monogomia é um retrocesso. Olha pra mim, o fato de eu sair com outras meninas não quer dizer que você não é especial... Você é uma mulher tão inteligente, nunca imaginei que você fosse encarar isso de uma forma tão... tão ultrapassada...
- Você gosta de História?
- História?
- É. Guerra, miséria, revolução, essas coisas...
- Sim, sim, claro. Acho que sim.
- É engraçado, né. As pessoas quando falam do passado, elas se dividem em dois grupos. O grupo dos que lamentam por aqueles que não sabiam ainda o que era um mp3 e aqueles que gostariam de herdar receitas de família, ao invés de buscar no Google como se ferve leite.
Ele ri, um pouco aliviado da pressão. Ela prossegue.
- Pois é. E a História também é dicotômica, assim. Homossexualidade, por exemplo. Tem muita gente que ainda enxerga um grande tabu no tema. Acham que gay é que nem internet, na geração passada ainda não existia. E no entanto, a História ensina que na antiguidade, simplesmente não havia o conceito de homossexualidade. Há 10 mil anos, nas tribos de Nova Guiné e Fiji, a viadagem era ritualística. Os melanésios acreditavam que o conhecimento sagrado só podia ser transmitido por meio do coito entre duplas do mesmo sexo. Tinha ritual com homens vestidos para representar um espírito dotado de grande alegria, fazendo performances dignas de uma drag queen. Ganesh, o deus hindu, teria vindo da relação de duas mulheres, e por aí vai...
- Mais uma cerveja?
- Claro. Mas continuando. Quando você fala e se exalta com a sua estimada poligamia... eu me lembro da Idade da Pedra Lascada, quando os machos dominantes se casavam com várias mulheres, seguindo o comportamento de animais polígamos, como o bisão e, adivinha só... o veado!
- O que é um bisão?
- Na tribo, os homens tinham esse objetivo, fertilizar o maior número de mulheres possível. Era também uma forma de demonstrar liderança. As melhores caças, as melhores mulheres, a melhor cabana. Tudo pra que o pobre neandertal se sentisse seguro e afagado. Isso faz um tempinho, tipo, três milhões de anos. Mas desculpe, eu acabei te interrompendo... você estava dizendo que eu era ultrapassada.
Parabéns, ele diz, passando com dificuldade por ela até o balcão. Como? Ela pergunta, intrigada com a abordagem. Desculpe, eu me confundo um pouco com essas formalidades da boa educação... acho que eu quis dizer “com licença”, ele diz com um sorriso sincero. Que gracinha, ela pensa, já que adora um elogio disfarçado com uma desculpa nonsense. Porra, fiz merda de novo, pensa ele, ciente das dificuldades de quem tem 82 de QI.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.